sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

CEIA


Todos os dias passeio na página da internet do fabuloso escritor português José Saramago, onde o mesmo alimenta quase que diariamente essa página, em um cantinho chamado de "O caderno de Saramago" e me deparei com essa postagem que fala da ceia de natal. Adorei.
Aproveito para indicar o último livro, A VIAGEM DO ELEFANTE, mais uma obra prima desse genial escritor contemporâneo, é um livro leve e muito bem humorado.


Dezembro 25, 2008

by José Saramago


Há muitos anos, nada menos que em 1993, escrevi nos “Cadernos de Lanzarote” umas quantas palavras que fizeram as delícias de alguns teólogos desta parte da Ibéria, especialmente Juan José Tamayo, que desde aí, generosamente, me deu a sua amizade. Foram elas: “Deus é o silêncio do universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio”. Reconheça-se que a ideia não está mal formulada, com o seu “quantum satis” de poesia, a sua intenção levemente provocadora e o subentendido de que os ateus são muito capazes de aventurar-se pelos escabrosos caminhos da teologia, ainda que a mais elementar. Nestes dias em que se celebra o nascimento do Cristo, outra ideia me acudiu, talvez mais provocadora ainda, direi mesmo que revolucionária, e que em pouquíssimas palavras se enuncia. Ei-las. Se é verdade que Jesus, na última ceia, disse aos discípulos, referindo-se ao pão e ao vinho que estavam sobre a mesa: “Este é o meu corpo, este é o meu sangue”, então não será ilegítimo concluir que as inumeráveis ceias, as pantugruélicas comezainas, as empaturradelas homéricas com que milhões e milhões de estômagos têm de haver-se para iludir os perigos de uma congestão fatal, não serão mais que a multitudinária cópia, ao mesmo tempo efectiva e simbólica, da última ceia: os crentes alimentam-se do seu deus, devoram-no, digerem-no, eliminam-no, até ao próximo natal, até à próxima ceia, ao ritual de uma fome material e mística sempre insatisfeita. A ver agora que dizem os teólogos.

Um comentário:

Olegas disse...

Excelente. Difícil colocar melhor em palavras do que Saramago!
hehehe "vamos ver o que dizem os teólogos"... essa é ótima!